Cácio Silva
Depois de dez anos de treinamento e muito trabalho, Elisângela e eu seguíamos para o campo
missionário. Viajávamos de barco subindo o Rio Negro, numa viagem de quatro dias na bela e
inóspita Floresta Amazônica. Ao final do quarto dia de viagem, já à noite, o barco chocou-se
numa pedra, houve uma avaria no casco, a água começou a inundar o porão e instaurou-se um
clima de desespero entre os duzentos passageiros.
Apesar do cenário propício para uma grande tragédia, Deus operou livramento e todos foram
levados ilesos para uma ilha em pequenos botes. Sob as grandes árvores, em meio aos muitos
cipós e raízes, na amedrontadora escuridão da floresta, ficamos esperando pelo resgate,
enquanto muitas interrogações vinham à mente. No porão do barco estavam nossas quatorze
caixas com objetos pessoais, dentre as quais, oito caixas de livros com o melhor que tínhamos
em nossa biblioteca pessoal. No fervilhar dos pensamentos, o Senhor trouxe-nos à mente
Filipenses 1.29: “Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também
de sofrer por ele” (NVI). Entendemos naquela hora que até os sofrimentos do ministério são
privilégios de Deus para nossas vidas.
Há duas verdades bíblicas que precisamos entender sobre a missão e, com “missão”, refiro-me
à ação de Deus em expandir o seu próprio reino sobre a face da terra.
1. A missão não é da igreja e sim do próprio Deus. A igreja não possui a missão e sim é
possuída por ela. Não é senhora da missão e sim serva dela. A missão não é da igreja porque a
igreja não pode levá-la a cabo. Se não podemos converter um amigo chegado, muito menos
um indígena perdido no meio da floresta. Somente Deus pode fazê-lo e por isso a missão é
dele próprio. A missão é de Deus e é ele quem está expandindo o seu reino sobre a terra.
Temos notícias de muitos muçulmanos se convertendo ao Senhor no Oriente Médio e Norte
da África. Informações recentes apontam que 25% das conversões tem se dado por meio da
leitura da Bíblia em árabe e de textos de evangelização; 25% por meio de programas de rádio e
televisão; outros 25% por meio de sonhos e visões — às vezes famílias inteiras sonham com o
Senhor Jesus numa mesma noite! E somente 25% por meio de abordagens pessoais diretas de
evangelismo. Ou seja, 75% dos muçulmanos tem se convertido sem contato direto com os
missionários. Isto porque a missão não é dos missionários e sim do próprio Deus.
2. A missão é de Deus, mas a igreja participa da sua missão. Deus, que não depende de nós e
poderia fazer tudo sozinho, decidiu, em sua soberania, convocar a igreja para participar do seu
trabalho. Não há participação humana na conversão, mas a igreja participa ativa e
efetivamente na proclamação. Observe que, apesar de muitos muçulmanos se converterem
sem contato com missionários, logo em seguida necessitam da atuação dos mesmos para
serem discipulados e reunidos em igreja.
A igreja não é dona da missão, mas ela participa da missão de Deus. A igreja é convocada para
trabalhar com Deus no seu trabalho e é por isso que Paulo nos chama de “cooperadores de
Deus” (1Co 3.9). A ideia aqui é que Deus está operando ou trabalhando e nós estamos
operando ou trabalhando com ele, no trabalho dele. Deus está expandindo seu reino sobre a
terra e nós participamos desse movimento de expansão.

Se isso é fato, antes de ser uma responsabilidade, o ministério cristão é um privilégio. O Rei do
universo nos dá o privilégio de trabalhar com ele no seu trabalho. Elisângela e eu não somos
pobres coitados enviados para a Amazônia. Somos, sim, privilegiados por servir a Deus ali.
Você é um privilegiado quando desenvolve seu ministério onde está. Quando lança a sua
semente por onde passa. Quando se compromete com sua igreja local e serve ao Senhor ali.
Os problemas sempre surgem. Os ventos contrários não tardam. As corredeiras da vida
ameaçam nossa embarcação. Mas até os sofrimentos do ministério são privilégios de Deus
para nossas vidas. Usufrua do seu privilégio.
Cássio Silva é missionário da Missão AMEM/Projeto Amanajé, juntamente com sua esposa
Elisângela, entre indígenas na Amazônia.